04/06/2016

A marcha da insensatez


Maio mal acabou, há 85% do Campeonato Brasileiro por jogar e só oito dos 20 times que o disputam estão com o técnico que começou o ano. Constatação óbvia: 12 clubes estão remunerando mais de um treinador – o que de fato treina o time e os que foram demitidos recentemente.

A insensatez invariavelmente deságua em mais gasto de dinheiro: o treinador demitido recebe uma multa ou vai à Justiça, o treinador que chega traz seus auxiliares. Jogadores do elenco então são afastados (mas seus salários continuam lá, na folha de pagamento) e reforços chegam a pedido do novo técnico que, no fim das contas, vai trabalhar com um elenco remendado.

As consequências dentro do campo são nefastas. Como deixou claro Carlos Eduardo Mansur em mais uma de suas obrigatórias colunas em O Globo, o ambiente que se cria é "hostil às convicções, à implantação e consolidação de modelos de jogo — em especial aqueles com maior grau de sofisticação".

A soma da dívida dos 20 clubes que disputaram a Série A em 2015 está estimada em R$ 4,8 bilhões - o dobro do que era em 2011, segundo levantamento do banco Itaú BBA publicado pelo blog de Rodrigo Capelo na revista Época. Dinheiro do clube é dinheiro de ninguém, depois a gente vê como paga - se é que paga.

Times sem identidade, técnicos com a única preocupação de preservar o próprio emprego, estádios vazios, arrecadações baixas, calotes, dívidas, promessas vendidas às pressas por qualquer dinheiro. O roteiro nós sabemos de cor. Agora até o New York Times flagrou.

Givanildo - a vítima mais recente - não sabia, mas estava obrigado a instalar o América-MG na liderança do Brasileiro após as cinco primeiras rodadas, mesmo com um dos mais baixos orçamentos do torneio. A conquista do Estadual, há menos de um mês (encerrando um jejum de 15 anos), não teve a menor importância. Caiu Givanildo. Cairão outros.

Cada demissão é um atestado de incompetência de quem contratou. O que não exclui o fato de que o rodízio de treinadores interessa à própria categoria. Há 60 clubes nas três principais divisões do Brasileiro - e a quantidade de técnicos disputando um lugar nesse mercado é obviamente maior. Com várias trocas por ano, se ajeitar direitinho todo mundo trabalha um pouco.

Na primeira semana de 2015, o Barcelona perdeu por 1 a 0 para a Real Sociedad e ficou atrás do Real Madrid no Campeonato Espanhol. O resultado teve consequências mais graves do que o placar sugere: Messi se irritou por ter ficado no banco naquela partida, não foi treinar no dia seguinte, uma quantidade razoável de roupa suja foi lavada em público. Os obituários de Luis Enrique já estavam escritos - mas jamais foram publicados. Com ele na beira do campo, o Barcelona terminou o ano tonto de tanta volta olímpica - Campeonato Espanhol, Copa do Rei, Liga dos Campeões, Mundial de Clubes. 
Em fevereiro de 2011, nos dias seguintes à eliminação do Corinthians pelo colombiano Tolima, na Libertadores, um grupo de torcedores e conselheiros influentes foi recebido pelo então presidente Andrés Sanchez. Exigiam a cabeça de Tite. Era inconcebível que o técnico continuasse após tamanho fracasso.
Andrés assentiu, passou a mão no telefone e certificou-se do valor da multa rescisória de Tite - coisa de R$ 1,5 milhão. O cartola fez um cheque pessoal no valor de R$ 100 mil e instou seus interlocutores a fazerem o mesmo. Se cada um desse sua parte, disse, o Corinthians poderia demitir o técnico sem precisar sangrar seus cofres. Os corneteiros foram embora frustrados. Os resultados você conhece.
Fonte: GE

0 comentários:

Postar um comentário