09/05/2016

Serenidade, História e Política



Salve, Buteco! Será que a primeira palavra do título do texto de hoje encontra espaço na vida do Mais Querido? Pois eu gostaria que a resposta fosse afirmativa. Os tempos que vivemos no Brasil são realmente difíceis. Instabilidade política, completa falta de credibilidade no meio político em geral, crise econômica gravíssima afetando a vida de milhões de famílias, ansiedade tomando conta de significativa parte da população como se fosse uma epidemia viral. Há tempos que me questiono se o comportamento do torcedor brasileiro em relação ao futebol, a impaciência comum a todas as torcidas, não seria, de uma maneira geral, reflexo desses problemas todos em nossa maneira de se comportar em sociedade, e uma mera reprodução de como em geral as pessoas lidam coletivamente em outros cenários e com outros assuntos polêmicos.

O Flamengo é como o Brasil: alguns problemas parecem não apenas ser eternos, como se renovar a cada dia, e todo alvorecer é o nascimento de nova crise. Será que é vã a esperança termos um pouco de paz? Espero, em ambos os casos, que não seja algo cultural, mas momentâneo.

Historicamente, a relação entre Flamengo e CBF é repleta de conflitos. Não bastasse o episódio da Copa União e posteriormente o da Taça das Bolinhas, podemos citar ainda, na década de 90, o inesquecível episódio em que o Flamengo não apenas desafiou a CBF com uma ação civil na Justiça Comum, como, diante da ameaça feita pela FIFA de vetar a participação do Brasil na Copa do Mundo, não apenas manteve ação como "avisou" Dona FIFA de que ela própria seria processada em tribunal europeu, e Dona FIFA, posta em seu devido lugar, "mandou" CBF e Flamengo se entenderem com a soberana Justiça Brasileira. Já sobrou até para a CONMEBOL, que foi acionada  no Tribunal Arbitral, na Suíça, contra as partidas em altitude superior a 2.750m.

Os episódios acima citados, provavelmente não exaustivos, têm por coincidência haverem sido protagonizados pelo eterno e inesquecível presidente Márcio Baroukel de Souza Braga, que fez história no Clube de Regatas do Flamengo.

Seguindo a tradição de Márcio, Eduardo Bandeira de Mello também já foi ao Tribunal Arbitral questionar a CBF, dessa vez por conta do episódio André Santos. E na gestão Azul, desde o começo, não podemos dizer que a relação foi de extrema leveza, muito pelo contrário.

Pesquisando para redigir esse texto, deparei-me com esse excelente post escrito por Mário Cruz para o coirmão Blog da FlamengoNet. Era dezembro/2005 e na ocasião fazia-se um balanço da gestão Márcio Braga. O Flamengo acabava de se livrar do rebaixamento no chamado "primeiro milagre de Joel". Peço atenção para a semelhança entre as pautas da então Diretoria e a da gestão Azul.

Tal como nos dias atuais, há dez/onze anos atrás não era tarefa fácil conciliar austeridade fiscal, boa gestão administrativa e resultados esportivos, cenário que se complicava ainda mais, como ainda hoje se complica, quando composto por gestão futebolística ineficiente e oposição à CBF.

O grandioso histórico de Márcio Braga torna-o uma espécie de expert no tema "litígios com a CBF". Tem toda a autoridade moral e experiência para falar e professorar a respeito. Naquele final de 2005, na minha opinião, praticou um dos gestos mais habilidosos e grandiosos em sua trajetória no Flamengo: pediu ajuda. Para mim, foi histórico. Sua gestão no futebol vinha sendo, até então, o mais completo e absoluto desastre. Não entrarei em detalhes, mas lembro-me bem do Departamento de Futebol entregue a Gerson Biscotto (o mesmo por ele indicado em 2015 para a VP de futebol) e Anderson Barros. Para quem tiver alguma dificuldade em se recordar, basta pesquisar os resultados. 

O fato é que, com o Flamengo à beira de efetivamente cair para a Série B do Campeonato Brasileiro, Márcio, inteligentemente, pediu ajuda a dois antigos personagens da política rubro-negra: Helio Ferraz e Kleber Leite. Helio Ferraz providenciou grande parte da sustentação política que Márcio necessitava; Kleber Leite se tornou o vice-presidente e homem-forte do futebol.

Kleber Leite é aquele mesmo, de quem todo mundo reclama do shopping e de supostas "engenharias financeiras", e cuja proximidade de Ricardo Teixeira sempre foi considerada notória, sendo ambos, juntamente com J. Havilla, segundo a imprensa, investigados pelo FBI. O certo é que esse controverso personagem, durante a última gestão de Márcio Braga como presidente do Clube de Regatas do Flamengo, comandou o período mais estável e vitorioso do futebol rubro-negro depois do fim da "Geração Zico".

Fato. História.

Como tudo no Flamengo é muito difícil de explicar e entender, a gestão de Kleber Leite no futebol foi perdendo o fôlego, Márcio se licenciou da Presidência, Delair Dumbrosck impôs Dejan Petkovic goela abaixo do Departamento de Futebol em troca do equacionamento de substancial dívida do atleta com o clube, gesto que talvez tenha sido a gota d'água para Kleber Leite se afastar da VP de Futebol, e Marcos Braz, seu sucessor, passando por uma forte crise de resultados, além de implementar interessante política de premiações e efetivar Andrade depois de não conseguir contratar Celso Roth e Wagner Mancini após a saída de Cuca (que antecedeu a de Kleber Leite), contratou Maldonado e Álvaro depois de tentar Corrêa e não sei mais quem, e em meio a essa incompreensível mixórdia surpreendentemente veio o Hexa. Márcio voltou a tempo de estar na Presidência no momento da conquista.

Márcio continua "pé-quente", Marcos Braz é reconhecido por muitos como grande gestor de futebol, inobstante todo o ocorrido em 2010, e, como não poderia deixar de ser, Kleber Leite é mais lembrado pelo shopping, pelas engenharias financeiras e outros assuntos sobre os quais não convém nos aprofundarmos do que por uma gestão no futebol que inegavelmente teve seus méritos. Todavia, sabemos que a realidade e a história são um pouco mais complexas, ainda que seja desagradável e incômodo reconhecer.

A atual Diretoria inegavelmente esforça-se bastante para tentar colocar o futebol do clube no lugar que merece, mas tenho cada vez mais dúvidas se os que estão lá entendem do mérito do assunto.

Longe de mim afirmar que Bandeira tenha que recorrer a tal ou qual personagem do passado (por São Judas Tadeu, não é isso), mas talvez deva no mínimo considerar a quem está delegando a gestão do futebol e se não é o caso de rever alguns conceitos.

Sendo mais explícito: neste ponto estou falando de gestão no futebol, não de política, e não estou sugerindo a repetição do modelo de 2005. Não quero e não acho que se deva recorrer ao Kleber Leite (por São Judas Tadeu!) e nem a uma só pessoa, mas creio ser preciso recorrer a profissionais do ramo.

Política existe na comunidade internacional entre países, inimigos ou aliados; entre Estados reconhecidos e não reconhecidos ou forças políticas e milícias em seus territórios. Existe em nível partidário ou não; existe em nossas relações profissionais, pessoais, em nossos cotidianos. O ser humano é social e de alguma maneira interage politicamente em suas relações com outras pessoas em todos os níveis.

Eduardo Bandeira de Mello, institucionalmente, deverá ser o representante dos clubes na Autoridade Pública de Governança do Futebol (APFUT). Enquanto, mantendo os princípios da Gestão Azul, gerir o clube com responsabilidade fiscal e administrativa, não cometer crimes, atuar de forma cívica e republicana, nos limites dos poderes de seu mandato como Presidente do Clube de Regatas do Flamengo e, agora, da função prevista em lei que ocupará na APFUT, fará parte de seu dever como Presidente e representante dos clubes interagir com todas as instâncias de poder, especialmente esportivo, em níveis nacional e internacional.

E sim, aquela foto e a chefia da delegação me causaram desconforto, mas ao mesmo tempo me parecem questiúnculas dentro de um cenário que evidentemente é bem maior e ainda não está suficientemente claro.



Desejo muita serenidade, paz de espírito e saúde tod@s vocês.

Fonte: Buteco do Flamengo

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