14/05/2016

Fla, NY, inimigos e fogo amigo... os 80 anos de Márcio Braga em 30 minutos


Marcio Braga completa 80 anos neste sábado. Longe do "acabou o dinheiro", frase que virou febre na internet, da crise brasileira e do seu próprio time, o presidente mais vitorioso da história do Flamengo embarcou para os EUA. Mais precisamente, há mais de uma semana, curte a "maravilhosa Nova York", como disse por mensagem de celular ao topar atender o GloboEsporte.com. Viajando para comemorar as oito décadas de vida, ele falou, como de costume, de tudo e de todos. 

Em 30 minutos falou de Flamengo, da CBF, lembrou brigas com a CBF e desafetos que vão de Eurico a Rubinho. E não falou só do Rubro-Negro. Escalou o "Expresso da Vitória" do Vasco, lembrou de times históricos do Botafogo e foi dos elogios à geração que chegou ao poder, que organiza o clube financeiramente, às duras críticas ao futebol da administração Bandeira. Revela que se oferece para ajudar, mas diz que não lhe dão atenção. Vê empáfia nos pares de Bandeira e coloca o "picareta e estelionatário" Edmundo Santos Silva na frente, em termos de futebol, da atual gestão.Confira abaixo a entrevista dos 80 anos de Marcio Braga:
GloboEsporte.com: Como está aos 80 anos, comemorando aniversário em Nova York?
Márcio Braga: Estou bem, numa cidade que eu adoro, que é Nova York. No mundo existem duas cidades que eu adoro: Rio de Janeiro e Nova York. O resto é periferia na minha opinião. Vim comemorar meus 80 anos nessa cidade que eu adoro. São 40 anos de Flamengo, 59 de cartório, de tabelião na cidade do Rio de Janeiro e me sinto muito bem, muito forte, muito feliz e sentindo-me não com a missão cumprida. Ao contrário, trabalhei bem, mas ainda faltam mais 80 anos para completar todos os meus desejos.
E quais são eles?
Sempre no sentido de avançar, de progredir, de buscar avanços sociais da nossa gente, principalmente do Flamengo, que está com tudo ainda por fazer, pode avançar muito. Veja agora essa situação que atravessamos. Temos uma boa diretoria, gente da melhor qualidade, essa meninada que chegou lá, esses grupos, o SoFla, o Sinergia, gente muito boa, garotos ótimos, mas no futebol...nada.  O presidente, que é uma boa pessoa, mas de uma irresponsabilidade... Como abandona o Flamengo numa crise do futebol que estamos vivendo? Armam o time, com promessas de que vai melhorar, que vai melhorar, que vai melhorar e não consegue ganhar dos times de segunda divisão do futebol brasileiro? Realmente, isso me preocupa.

Qual é a maior virtude que um dirigente do futebol tem que ter?Vejo o futebol ainda, em forma de administração, ainda muito empírica, muito romântica. A participação dos dirigentes tem que ser mais integrada. Não adianta você querer administrar um departamento de futebol como se estivesse administrando uma companhia de seguros, com executivos tratando com "me dá sua carteira de trabalho, assina e vai embora". Não. Futebol não é isso. Tem que haver integração muito maior, relação do dirigente amador com os profissionais, com técnicos, preparadores e jogadores. Essa integração não vi essa gente fazer com o Flamengo. E principalmente os jovens que chegaram agora, brilhantes, gente da melhor qualidade. Outro dia eu contei 30 pessoas com possibilidade de serem candidatos a presidentes do Flamengo nos próximos anos. O futuro do Flamengo está garantido. Mas no futebol não apareceu ninguém com esse brilho. 
Você apoiou o Bandeira. Não vê ninguém lá dentro com essa capacidade?
Eu acho tem dois que são dois aviões, dois excepcionais. O Flavio Godinho e o Bap (Luiz Eduardo Baptista, vice de marketing no início do primeiro mandato de Bandeira). Agora eu não sei o que está acontecendo com o Godinho que ele não está conseguindo impor uma filosofia de aproximação, de convivência, como estou dizendo, porque futebol é isso. Não me resta dúvida de que falta isso. Veja o caso do Leicester, que foi campeão da Inglaterra. Grupo de investimento baixo, para não cair para a Segunda Divisão, que ganhou daqueles papões todos. O artilheiro desse time trabalha durante a semana como pedreiro.
Como é essa relação com a diretoria. Eles te consultam neste momento de crise? 
Não, consultado eu não sou. 
Mas você liga para dar pitaco?
De vez em quando, para dizer a verdade, eu ligo. Mas muito pouco, porque eu vejo que eles não gostam. 
Para quem, para o próprio Bandeira?
Para o Bandeira também, mas os que estão lá não gostam. 
Por que sentem que é intromissão de um ex-presidente, que já passou o tempo?
Deve ser isso. Não me convidam, já me insinuei para ir a reunião, para ir ao Ninho do Urubu. "Ah, vou convidar, vamos achar uma data para você ir lá", nunca marcaram data. Não conheço, não conheço... Se passar esse supervisor de futebol do meu lado não sei quem é.
Supervisor? Você fala do Rodrigo Caetano?
Isso, esse, nunca vi. Nunca conversei. Então essa é uma situação realmente incômoda. Mas continuamos torcendo, não é por isso que deixamos de torcer. E ficam comparando, sabe. Outro dia estava na mesa com o pessoal do Flamengo, que me acompanhou da última vez no clube: sob esse aspecto, do futebol, aquele estelionatário do Edmundo Santos Silva foi melhor no futebol. Foi tricampeão. (Edmundo é) um picareta, um estelionatário. Entrou no Flamengo, fez acordo com aquela ISL, entraram US$ 80 milhões, saíram US$ 80 milhões, e o Flamengo ficou devendo isso e quebrado. Mas foi campeão, ganhava os jogos.
Lá atrás você sempre dizia, numa das suas frases que ficaram famosas, que prefere um "malandro inteligente a um burro honesto"...
É isso mesmo. No futebol? Não tenha dúvida.
Acha que não transitam bem, por terem chegado no futebol tem pouco tempo?
Não sei se é só isso, não. Acho que tem muito de empáfia, soberba. Eles se acham o máximo. Mesmo o Bap. O Flavio Godinho não tanto, ele tem mais política no sangue do que os outros. Eles acham que sabem tudo, que os outros não sabem nada, que o que passou lá antes é coisa ruim. E é por isso que não ganham. Vejam o presidente, que é um homem mais consciencioso, humilde, mas deixou a vaidade subir pela cabeça. Ser chefe da delegação da Seleção num momento de crise no futebol do Flamengo. O que que ele fez no futebol do Flamengo que merecesse ser chefe de uma seleção em crise? Ele contornou as crises do Flamengo? Vai contornar as crises da Seleção? Ou ele está indo para a vaidade dele? O que a CBF fez pelo Flamengo e pelo futebol brasileiro que justificasse isso? (Bandeira) Ao invés de ter posição crítica, forte. Como essa situação que a gente reclama há 30 anos, dessa roubalheira, corrupção, dos prejuízos que trazem ao Flamengo. Ou seja, é uma irresponsabilidade, com toda empáfia, toda soberba. No fundo é um boboca. 
Em 1987 você entregou carta se afastando da CBF, você chefiava também delegação. Até na época, escreveu "se gritar pega ladrão, não fica um", da música. Mas antes você apoiou o Nabi Chedid e o Otavio Pinto Guimarães. Não vê a atitude do Bandeira como parte do jogo político?
Não, não apoiei (Nabi e Otavio). Repare bem. Isso tem mais de 30 anos. Naquela época eu dizia que na CBF estavam montando a mesma sistemática da Fifa. E o candidato do João Havelange (então presidente da Fifa) era aquele Medrado Dias, que foi candidato contra o Otavio Pinto Guimarães, que era candidato da federação carioca de futebol. Doutor Otavio era advogado do Banco do Brasil, um ilustre, pessoa correta, homem digno, honrado. Naquela época era de um outro nível. Tinha o Horta, no Fluminense, o Agathyrno, no Vasco, eu, no Flamengo e ele era o presidente da federação. Aí (nesta eleição), os interesses clubísticos falaram mais alto. Ele se candidatou junto com um paulista, juntando São Paulo e Rio de Janeiro. E ganhamos a eleição. Aí me convidam para ser chefe de delegação, nós estamos em 1987, eu era deputado federal, cumprindo com meus deveres com o país em meio às discussões da constituinte. Aí o Nabi vai e convida o (José Maria) Marin para ser co-chefe da delegação. Teriam dois chefes: eu, pelo Rio, e o Marin, por São Paulo. Diziam que era "a união indestrutível de São Paulo e Rio de Janeiro". Eu falei, "opa, estou fora. Isso é bandalheira". E, hoje, 30 anos depois, era bandalheira ou não era? Não saiu da minha boca esse "se gritar pega ladrão", mas era isso.
Essas suas frases já te trouxeram muitos inimigos e processos, né?
A vida inteira. Agora estou sendo processado pelo Rubinho (Rubens Lopes, presidente da Ferj), pelo Roubinho, né. Tem contra mim também do Eurico Miranda, um que está rodando na Justiça há uns três ou quatro anos.
Do Rubinho é pelo artigo no "O Globo" deste início de ano. Do Eurico é por qual motivo?
Alguma afirmação mais enfática que eu terei feito. Não sei nem dizer qual.
É aquela que você fala que a disputa pelo Leandro Amaral, do Eurico, presidente do Vasco, e Horcades, na época do Fluminense, era "briga de quadrilha"? (Nota da redação: depois, Marcio Braga se retratou aos dois clubes e também aos dirigentes)
Acho que não foi isso não. Depois disso teve uma outra que eu falei que ele era líder da podridão no futebol. Alguma coisa por aí. Não usei essa palavra, acho que disse que ele era "a liderança das coisas ruins do futebol". Por aí. Bati pesado. Eu reconheço que bati pesado. Mas é verdade. O Rubinho está me processando pelo artigo, mas o original era mais contundente. O (Aluizio) Maranhão (editor de Opinião) do "O Globo" ligou para mim e disse: "Marcio, você escreveu com o fígado. Agora repassa isso daí pela cabeça." Era mais pesado (o artigo). Mas o que essa gente merece, meu Deus do céu? Essa gente não merece respeito, não merece atenção. Por isso você não pode chefiar a delegação da seleção brasileira. O Flamengo aonde vai é muito poderoso, muito forte, uma representatividade enorme na nação. Então como é que você coloca toda essa história do Flamengo nisso? Se juntar eles todos, não dá o Flamengo. A verdade é essa. Não pensa que isso foi feito de uma cabeça pensante, que se tornou nessa força toda. Não, é a força popular, dessa gente toda, até da gente mais humilde, que transformaram a grandeza do Flamengo. Como você coloca em jogo isso tudo e vai chefiar a delegação do Brasil? Que não é do Brasil, é da CBF desmoralizada pela corrupção, pelas ações mais baixas. Você vai juntar o Flamengo nisso? Chega às raias da irresponsabilidade. É inadmissível, inaceitável.
Vamos para o futebol. Como torcedor e dirigente qual o maior adversário do Marcio Braga, o que mais gostava de vencer, o que mais te incomodou?
Ah, é o Vasco. O grande adversário do Flamengo é o Vasco. Houve momentos que era o Botafogo. Mas em 1945, 1946, eu tinha 10 anos, 1947, 11 anos. O Flamengo passou 10 anos sem ganhar do Vasco. 1947, 1948, 1949, 1950, 1951, 1952 e só veio a vencer em 1953, quando começamos o tricampeonato. E ganhamos do Vasco. O Vasco tinha um timaço. Era o "Expresso da Vitória". O de aspirantes chamavam de "Expressinho". Vasco jogava com Barbosa, Augusto e Rafanelli; Eli, Danilo e Jorge; Maneca, Ipojucã, Ademir, Chico e na ponta-direita Tesourinha. Veio do Inter para a Seleção e foi para o Vasco. Tivemos três grandes pontas-direitas na história: o Tesourinha, o Julinho Botelho, do Palmeiras, e o Garrincha. Tesourinha era um avião, mas em 1953, 1954 e 1955 botamos essa história para baixo. E depois eu, como presidente do Flamengo, botei eles de vice. Passaram sete anos sem ganhar do Flamengo uma decisão. Outro que gostei de vencer foi o Botafogo. Me elegi em 1977. Nos anos 1970 o Manga (ex-goleiro) dizia que quando tinha jogo com o Flamengo, no começo da semana, ele ia à feira antes, porque tinha o bicho garantido. Já ia gastar por conta. E realmente o Botafogo era outro timaço, com Garrincha, Amarildo, Nilton Santos etc etc etc. Aliás, era o time do meu pai. Eu só assistia jogo antes de 1950, antes do advento do Maracanã, com o meu pai. Via esse time de perto. Tinha o Carlito Rocha, um  dirigente maravilhoso, numa época de futebol romântico. Carlito era amigo do meu pai. Mandava chamar o Neném Prancha, treinador: "Ô, Neném, vê se a cortina da minha sala está fechada". Era quando o Botafogo estava jogando mal, perdendo. A cortina tinha importância enorme (risos). 
Você sabia que a sua frase "acabou o dinheiro" ficou famosa na internet?
Sabia, sabia. Aqueles meninos da ginástica, que acabaram ganhando mais do que os campeões mundiais, queriam ganhar o que não era possível ganhar. Era impossível continuar sustentando com dinheiro do futebol o esporte olímpico do Flamengo. Sem nenhuma ajuda da confederação ou do comitê olímpico. Eu falei: "Acabou o dinheiro, vão arranjar (dinheiro) em outro lugar". Mas cinco, seis anos depois, conseguimos resolver.
Tem algum time preferido na história do Flamengo, um de todos os tempos?
Não, não. No meu time entra o Zizinho, o Zico. Agora, tivemos grandes jogadores. Esses dois são simbólicos como jogadores de futebol. Agora, sem sombra de dúvida tem Junior, Leandro, quem mais... 
Do Romário você gostava?
Romário? Romário é um puta jogador, grande centroavante, mas é Flamengo? Estou falando de rubro-negro de sangue, como Andrade, Adílio, aquele beque maravilhoso que marcou o gol da minha vida, o de 1978, Rondinelli. 
Para terminar. Você gosta do Muricy, do jeito dele, bem paulistão no futebol do Flamengo?
Não sou contra nem a favor. Tem que ganhar. Se não ganhar, vai rodar. Seja paulista, gaúcho, pernambucano, paranaense... Tem que ganhar. Flamengo tem compromisso com a vitória.
E o presente, além da vitória que você quer contra o Sport, é o título brasileiro?
Ah, o melhor presente para mim é a vitória amanhã. Se me derem de presente ser campeão brasileiro, seria o melhor presente que eu podia receber na minha vida.
Fonte: GE

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